quinta-feira, 15 de junho de 2017

Despedida

Sempre foi assim, acordava saudosista, diferente, feliz. Aquele sorriso emergia na face intempestivamente, veloz, teimava em ficar. Era bom, muito bom! Apalpava o abdômen flácido e acreditava que fora dos padrões estava. E em um certo dia,  diante do espelho, admirou-se com sua aparência franzina, refletiu sobre a necessidade urgente de estabelecer em seu cotidiano exercícios que melhorassem seu condicionamento físico. Uma inquietude que demorou nada mais que poucos minutos, eis que sua alma – naquele momento - era de um afortunado. 

Em seguida, quando chegou ao trabalho, cumprimentou o porteiro como de costume e apertou a envelhecida tecla do elevador da qual seu dedo era atraído como se fosse um imã, por tantas vezes prensado o botão de número 4. Ao abrir a porta, inspirou fundo para soltar vagarosamente o ar pelas narinas, ela estava ali, naquele corredor, nos braços de uma pessoa desconhecida – pelo menos para ele. E como aviso imediato, seu corpo estremeceu, pressupondo que seu coração estaria a bater descompassadamente, algo acontecia em seu interior, talvez seu corpo não obedecia os comandos dos quais o manteria calmo. 

Devaneado, lembrou-se do sorriso dela e dos dedos a se envolver entre os fios de cabelo enquanto o olhava fixamente nos olhos, com sua cabeça levemente inclinada para um dos lados durante as conversas. Flertes recheados de mel e condimentados com gosto de ternura. Recordou dos abraços furtivos, carinhosos quando se encontravam nos corredores,  e das mensagens repletas de afeição, quando por  descuido, deixavam seus corações falarem. 

Novamente, percebeu seu velho defeito em romantizar relacionamentos, resultando em ver coisas que não estavam ali e quiçá, nunca estiveram. Frutos de sua fantasia e expectativas que nunca se alinhavam com a realidade. Inconscientemente, ele havia condicionado sua felicidade a simples presença dela em sua vida, mesmo se tratando, até o momento, de mero cortejo. Angustiou-se percebendo que sentiria falta daquele  sorriso, daquele olhar, daquele jeito de falar e das risadas, mesmo que ela era o motivo de sentir-se tão eufórico, tão vivo.

E ao mesmo tempo que havia mergulhado em profundas memórias, a presença dele no recinto era por ela notada. Abraçada e com a cabeça apoiada no ombro do seu amante, desferindo um olhar que partira seu coração. Ele não estava preparado. Naquele momento, ele compreendeu que a saudade dói como faca cravada no peito e que paixões são como sopro, não duram, não possuem finais felizes.
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Na quietude, quantas coisas são ditas sem se proferir sequer uma palavra? Então,  ele entendeu que ela nunca lhe pertenceu e que por mais difícil que fosse, precisava penosamente, deixar tal sentimento falecer.

Confidente Anônimo

sexta-feira, 2 de junho de 2017

Sou dela

O perfume dela ficou na camisa branca
Que lembrança...

Lembrei da boca borrada
da cara amassada 
dos brincos perdidos
do atrito dos nossos corpos no colchão

Lembrei do rádio, tocando baixo  
enquanto o batom já retocado
anunciava uma despedida
confusa e indecisa no refrão daquela canção 

Lembrei daqueles longos cabelos, tão pretos
que me distraíam nos sinais vermelhos
assim como os olhos castanhos 
que brilhavam tanto quanto os faróis em minha direção

A mulher de gestos acalentadores
graça, cor, luz e sabores
que nem a mais santa e mais louca 
jamais me proporcionou tamanha emoção

A mulher que falava do amor assim como o fazia
tinha o dom e demonstrava com maestria
Não tinha tocado um corpo tão majestoso quanto o dela
Desconheço mulher mais intensa que aquela 

Eu tantas vezes rei e outras vezes escravo
Tanto reneguei como ainda encaro
Esse amor submisso, tão raro
Cheio de voltas que se afoga  em revolta 
e me afugenta agora dessa demora inquietuosa

Ela me assanha e ainda me ama
Eu não tenho controle sobre tudo o que me consome
Eu a quero de volta mas não revelo essa hora

quinta-feira, 1 de junho de 2017

Retragos

Juro que meu coração se agitou de forma diferente das outras vezes. Sempre concordamos que quartos de motel eram enodados. Aquele hotelzinho sóbrio da Avenida 13 já significava muito para nós. Uma chuva de final de tarde tornava o ambiente mais mágico e encantador. O sol parecia envergonhado ao se esconder atrás das nuvens cinzas. O tom de preto e branco do céu fazia lembrar uma fotografia retratada meramente em luz e sombras. Pura poesia. Antes de adentrar ao quarto, imaginei quantos encontros furtivos já tivemos e quantas sensações antes nunca experimentadas tive. Medo e desejo se misturavam de tal forma que me arrepiava os braços. Apenas rodei a maçaneta e a porta se abriu. Eu estava ali e ela também, que de alguma forma me atraía e nada mais me importava a partir daquele momento.
 Não havia regras e as amarras se dissolviam como algodão doce na boca. O nosso momento era aquele e o depois não significa mais nada, eis a entrega voluptuosa de nossas vidas. Sinatra surgiu como um último retoque que faltava...All or Nothing at All...tudo ou nada! E sem falar nenhuma palavra, se entregou em meus braços. Ao som dos trompetes da música nos unimos. Futuros Amantes de Chico Buarque revirava minha cabeça...”o amor não tem pressa, ele pode esperar em silêncio”. Realmente fazemos acontecer! Despidos, roupas jogadas ao chão, beijos fogosos que refletiam o quanto queríamos nos possuir. Eu dentro dela, ela me envolvendo de corpo e alma. Não conseguia escutar mais canção alguma, apenas o som excitante da nossa respiração ofegante e num movimento cadencioso, chegamos ao orgasmo juntos. Últimos suspiros acompanhados de uma alegria indescritível. Que grande noite tivemos!

Confidente Anônimo. Texto em resposta ao Avenida 13.